Análise da notícia e a quinta do caranguejo.

Um restaurante de Goiana, distante 65Km de Recife, recebeu uma multa de 1.6 milhão de reais por manter em cativeiro para posterior ensopado 166 caranguejos da espécie Cardisoma Guaiumi (guaiamuns para os íntimos). Esse fato foi noticiado ontem, no UOL, sem assinatura do jornalista responsável.
Trata-se de uma espécie de caranguejo cujo consumo só pode ocorrer se proveniente de locais autorizados pela portaria 445 de 2014, do próprio IBAMA. Ao que li, parece-me que a violação, de fato, foi cometida, e felizmente, deu tempo de soltar os animais em um mangue próximo antes de irem para a panela.
Lendo a reportagem, no entanto, temos fortes indícios de que se tratou de um release vindo do próprio IBAMA, que foi prontamente encaminhado a algum estagiário em começo de contrato para que adequasse o texto às regras de redação do veículo. Mas além do valor da multa (suficiente para fechar as portas de 95% dos restaurantes brasileiros que a recebessem), o que assusta é o fato da matéria não trazer NENHUMA informação sobre o restaurante, seu histórico, o perfil do dono e as circunstâncias envolvidas na operação. Pra encurtar: nem ao menos a uma foto do cercadinho para imaginarmos a cena tivemos direito.
Obviamente, conhecer o infrator não deveria mudar a aplicação do corretivo, mas seríamos hipócritas se disséssemos que isso não acontece no Brasil. E se aos olhos da lei não faz diferença, aos olhos do leitor faz, e muita. Explico: da maneira com que foi colocado, temos um fato narrado e dado por encerrado pelo IBAMA e pelo jornal. Mas o bom jornalismo ensina (pelo menos foi assim que aprendi com o saudoso Mestre Carlos Chagas) que devemos publicar hoje, pensando nas consequências do amanhã. E não estou falando de consequências graves, sérias, difíceis. Mas de desdobramentos corriqueiros, uma análise, um debate, uma discussão. Nem que seja na mesa do bar. A imprensa que publica o que vem do andar de cima deveria ter ficado no passado. Nas origens, era assim, hermética, com notas curtas ditadas pelos que mandavam para aqueles que se coadunavam em publicar sem discutir. Mas não demorou muito para se transformar em um mecanismo de fazer pensar, acalorar debates e buscar o contraditório e a réplica.
Se o maior jornal do país não se incomoda com essa postura ao relatar uma multa aplicada a um restaurante no interior pernambucano, o que nos leva a pensar que com outros assuntos a régua será outra?! Não podemos nos esquecer que release que vira notícia do mesmo jeito que chega nas redações também é jornalismo. De quinta. E neste caso, de caranguejo.