Não existe cesta de 10 pontos

Há muito deixei de praticar esportes coletivos. Difícil juntar conhecidos em uma nova cidade quando nos mudamos já adultos. Mas lembro ainda criança, no DEFER em Brasília, das falas do técnico de basquete quando nosso time estava perdendo: “tenham calma, trabalhem a bola, não existe cesta de 10 pontos.” A mensagem era clara: a derrota eminente não foi construída em um minuto, e por isso não vai embora em um minuto. É preciso paciência e sobretudo trabalho em equipe para reverter um cenário desfavorável. Serve pro Basquete, serve pra vida e mais ainda pra política.

É justamente isso que não estamos vendo no Brasil. O executivo insiste em buscar uma solução rápida e definitiva para a baixa popularidade do governo. Isenção de IR, vale-gás, empréstimo consignado para quem tem carteira assinada… assim não vai rolar…

Na política, toda solução de problema passa pelo seu entendimento mais profundo. E o governo não entendeu que a crise de popularidade não se resume a pix, preço dos alimentos e comunicação deficitária nas redes sociais. E por isso, seguimos na letargia, sem medidas, sem programas, sem liderança. Mudamos o ministro da saúde e ninguém comenta… listei a seguir alguns acontecimentos que estão virando pro lado da mão sem relógio o pescoço do eleitor brasileiro. Vejamos como são muitos, são frequentes e complexos para se resolver. Repare ainda que deixei de lado tudo que vem de fora, focando apenas naquilo que o governar resolve:

  1. Janja não conseguiu se firmar como uma boa porta voz nem do marido, nem do governo. Semanalmente ela, sozinha, consegue despertar a ira de uma parcela que sempre votou no PT. Caso dos móveis do Planalto, taxa das blusinhas, cavalo Caramelo, Janjapaloosa… a lista é grande… mais recente temos a águia da Portela, o segredo mais bem guardado do carnaval carioca foi vazado ontem pelo Instagram da primeira dama. Dizem que ela e sua equipe ainda foram avisados para tomar cuidado;
  2. Politizar tudo não ajuda quem está no cheque especial da popularidade, e o governo faz isso diariamente. Bom exemplo é Ainda Estou Aqui. Podendo funcionar como uma cola social, como foi Tropa de Elite, todo o ecossistema do filme virou discurso, e isso afastou ao invés de agregar, ao ponto do carnaval ceder lugar ao Oscar na transmissão da terça, 2 de março na Tv Globo;
  3. Falta de um nome forte no governo além do presidente. No mundo todo, existe essa figura, que funciona como antepara contra desgastes. Tivemos Paulo Guedes no passado recente, com Dirceu, Palocci e Mantega mais pra trás. Hoje, vemos um elenco cansado, desunido, brigando por nacos de atenção e prestígio. Se existe um lugar em que puxa saco precisando de emprego não ajuda, é na lista de ministros de qualquer presidente;
  4. Como não há vazios na política, os nomes fortes viraram aqueles que não possuem chefe, e que fazem das suas ações individuais as ações do Estado, como os ministros do STF. Ministro Costa Leite, ex-presidente do STJ me disse uma vez: “como é bom viver e trabalhar no anonimato”. Bons tempos aqueles…
  5. Soluções novas piores que as anteriores. Mudar o teto de gastos pelo o atual arcabouço fiscal que o diga. A regra aprovada no governo Temer era simples e eficaz, mas deu lugar a um enredo de escola de samba neste governo: complicado, intelectualizado, quase uma desculpa para justificar o caráter cultural da pouca roupa das passistas. Há outros exemplos, como o Pena Justa, e mudanças no Plano Safra 2024/ 2025;
  6. Corrupção, malversação, imcompetência e desvios denunciados a conta gotas que são superficialmente divulgados pela imprensa e sumariamente ignorados pelo governo. Os supersalários no judiciário, as benesses injustificadas que perdoam multas bilionárias de grandes condenados, o caso das quentinhas das ONG’s da família Tato, incêncios, Yanomamis e as denúncias de assédio entre ministros de Estado estão na lista;
  7. Por último, temos um fenômeno que é inédito no país: pela primeira vez temos a base da imprensa se posicionando de maneira 100% favorável ao governo 100% do tempo. Não há espaços para outras leituras. Quando não há sequer a tentativa de mostrar imparcialidade, o contraditório some das reportagens, e elas se apresentam como interpretações definidas, que não cabem mais ao cidadão fazer. É um enredo anunciado do início ao fim. Assim, esse contraditório, que deveria servir para atrair todas as audiências e moldar as interpretações e o debate, se transforma em base para a produção de conteúdo de oposição, e tudo que é dito pela imprensa passa a ser questionável ou até mentiroso, já que ela tem lado deflagrado. Isso alimenta centenas de porta-vozes fora do espectro da mídia tradicional, muito mais “legais” de acompanhar que o próprio noticiário. Prova disso é a quantidade de canais no Youtube e em outras plataformas que vivem exclusivamente de ridicularizar repórteres e apresentadores da mídia mainframe taxados de assessores de imprensa do Governo Federal.

Por tudo isso, podemos prever que essa popularidade vai custar a subir, já que prescinde de entendimento e de mudanças caras, demoradas e em muitos casos, improváveis de serem votadas no congresso. A única figura que poderia ter outra a postura e assumir o protagonismo é o próprio Lula, que não dá sinais nem de ânimo, nem de interesse, nem de capacidade para tais ajustes. Quando era presidente sem redes sociais, víamos apenas os melhores cortes de suas falas. As analogias ao futebol eram consideradas brilhantes, suas tiradas, geniais. Agora, com todos tendo acesso a fala inteira, esse brilhantismo não se destaca mais, e melancolicamente, o jogo vai se aproximando do fim logo no início do segundo tempo. E vemos boa parte da torcida já deixando as arquibancadas. Como não há cesta de 10 pontos e o narrador é desacreditado, difícil imaginar alguém voltando para seus assentos quando o time da casa faz uma boa jogada e marca dois ou três.

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