Análise da Notícia. E um pouco de explicação.
Hoje inauguramos uma nova sessão: a análise de manchetes dos principais jornais e portais do país. Pouca gente sabe, mas ensinar redação com objetivo foi minha profissão por mais de dez anos seguidos. Mas porque ensinar redação com objetivo?! Ela é diferente da redação ensinada na escola? Sim e sim. Explico. O texto escrito é um tipo de processo comunicativo. Todo processo comunicativo precisa de pelo menos 4 (quatro) componentes para funcionar: quem comunica (emissor), o que é comunicado (mensagem), o mecanismo utilizado (meio) e quem essa recebe essa mensagem (receptor). Isso vale pra tudo. No entanto, alguns processos se diferem em seu propósito. Um tipo particular é composto por aqueles que possuem um objetivo que vai além do estabelecimento do processo em si. Calma. Sigo explicando. Vamos imaginar um monólogo no teatro: Louro, Alto, Solteiro Procura, do Miguel Fallabela, por exemplo – (aliás, uma das pérolas do nosso teatro contemporâneo – beijo pro Miguel e pra Níssia).
Nesse exemplo, o objetivo do processo “monólogo do Falabella” é que o processo seja estabelecido, em outras palavras, que pessoas paguem para se tornar parte do processo. Sem as pessoas (receptores) ele pode acontecer, mas não em sua plenitude. Espetáculo de teatro sem público é ensaio. Logo, todos os esforços que envolvem a peça são direcionados para que ela (o processo) aconteça da melhor maneira possível. Acabou a apresentação, casa cheia, aplausos, sucesso, o processo se encerra. E na próxima exibição começa tudo de novo. O processo é reiniciado. Um filme no cinema é a mesma coisa.
Agora, imagine um trailer desse filme. É tão processo comunicativo quanto filme em si, certo? No entanto, o propósito do trailer é diferente do propósito do filme. O filme tem o mesmo objetivo da peça do Miguel Falabella, que é o estabelecimento do processo em si. Mas o trailer do filme, não. O propósito dele vai além. O objetivo do trailer é fazer com que os receptores do processo trailer façam algo após o processo comunicativo trailer acontecer. Ele espera que as pessoas, depois de assitirem ao processo trailer, tomem uma atitude fora do universo em que ele ocorre. O objetivo dele é levar você a assistir ao filme, ou seja, temos um processo comunicativo que tem um objetivo maior que sua existência em si.
Obviamente, todo processo comunicativo modifica o receptor. A ciência estuda isso há séculos, literalmente. Quando lemos um livro, este site, assistimos a uma palestra, tudo nos transforma. Mas cada um se transforma de uma maneira. Em processos com propósito, essa reação, esse efeito pós processo, é sempre pré-determinado. Faze-se o processo pensando na ação posterior. É aí que fica guardado o pó de pirlimpimpim… Neste texto, por exemplo, nao tem isso. Você pode terminar de ler e achar que essas palavras não serviram para nada, você pode gostar, pode não gostar, ignorar, e a vida segue. Meu objetivo, foi alcançado: você leu o texto. Basta. Mas quando eu escrevo um roteiro de um comercial de TV, por exemplo, se o meu público não tiver a reação que foi pré-estabelecida, o processo teve problemas. Vamos ver se foi na mensagem, no meio que utilizamos, ou se o quem assitiu não deveria ter assistido, enfim…
É justamente nesse tipo de processo, o que tem um objetivo além dele, que reside a minha área de atuação profissional. Seja ensinando como fazer, seja fazendo aqui na empresa.
Em tese, o jornalismo deveria ser um processo comunicativo como é a peça do Falabela, um filme, um romance. Ser um processo em si. A informação foi relatada, o fato foi disposto, as opiniões foram abordadas e o acontecido que merce se transformar em uma mensagem foi ampliado. Vamos ao próximo.
Dito isso, pra que serve essa nova sessão neste site? Ela serve pra mostrar como há processos no nosso jornalismo, que não funcionam da maneira que deveriam. Na verdade, eles são construídos para funcionar como um trailer de filme: levar quem se torna parte do procsso a ter uma atitude posterior além dele.
Vejam essa manchete: Comissão comandada por oposicionistas pretende investigar os sem-terra. Isso se parece com algo verdadeiro, mas na verdade não é. Como não é, Pedro?! A CPI do MST não vai investigar os sem terra? Não. Não vai. A CPI vai investigar um movimento chamado Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Esse movimento é que vai ser investigado. Mas isso não é preciosismo, Pedro?! De forma alguma. Substituir a parte pelo todo (metonímia) é uma figura das figuras de linguagem MUITO mais utilizadas na construção de processos comunicativos que tem um objetivo por detrás. O texto claramente coloca quem é opositor ao governo como um grupo que que vai tentar (verbo pretender indica uma tentativa, não um objetivo) investigar pessoas que não possuem terra. Eu não tenho terra. E não terei nenhum oposicionista tentando me investigar. O termo sem terra é muito amplo. E tem componentes sociais que formam o seu entendimento pelo senso comum num universo de miséria, pobreza, dificuldade. O termo sem designa aquele quem não possui algo. E quem não possui terra está numa condição de inferioridade, de subjulgamento. Logo, oposicionistas vão tentar investigar quem passa por dificuldades. Isso é o que está escrito.
Agora, quem acompanha meu trabalho, sabe da minha luta pela normatização do termo FAKE NEWS, e a partir daí, a concepção de um regramento que seja ficiente e não promova nenhum tipo de scensura. Essa manchete é um exemplo absolutamente PERFEITO, ao meu olhar, do que é uma FAKE NEWS. Lembrando que Fake é diferente de mentira. Termo fake está mais para designar algo que seja falsificado. E falso é aquilo que se traveste de verdadeiro, que por sua vez é diferente do que não é real. E além disso, como o texto está num portal de notícias, no caso no G1, temos tudo completinho: Manchete Falsa = FAKE NEWS.
Esse exemplo mostra também como o processo do PL 2630 precisa ser amadurecido e muito, antes de ser colocado em prática. Porque, ou temos uma lei que melhora o relacionamento entre seres humanos, ou ficamos sem ela. Afinal, se o propósito do projeto é tão somente eliminar FAKE NEWS, e sobretudo da internet, antes vamos precisar definir que é FAKE e o que é NEWS à luz dos objetivos da lei.
E para concluirmos: qual afinal é o objetivo dessa manchete, enquanto um processo comunicativo?! Eu desconfio, mas não tenho certeza. E se não tenho certeza, não escrevo aqui. E você?! Saberia dizer qual é a ação que esse processo com objetivo pretende que o receptor tenha?! No fundo, no fundo, todos nós sabemos…