A ofensiva pela regulação das redes sociais é tão legítima quanto a sua oposição.
O dia 9 de maio de 2023 ficou marcado como o dia em que o Telegram disparou para todos os seus usuários uma mensagem se posicionando contrariamente ao PL 2630. Até aí, tudo bem. Escrevi em alguns fóruns que, tão legítimo quanto governo e seus representantes na Câmara do Deputados se movimentarem pela aprovação da lei, é o posicionamento da empresa em sentido contrário. Aliás, da empresa e de qualquer cidadão que não se sinta representado pela nova proposta.
No mesmo dia, contei nada menos que 69 reportagens distintas sobre o tema, nos maiores portais de notícias do país. TODAS elas considerando a movimentação do Telegram muito mais absurda, desproporcional e contundente que a do próprio Google na semana anterior. O que também é legítimo, já que essas empresas são as maiores interessadas na aprovação do PL, uma vez no texto consta que elas deverão receber das Big Techs pelos seus links de notícias compartilhados. Se a lei já estivesse em vigor para todo o ano de 2022, estima-se que mais de um bilhão de reais deveriam ter sido repassados das empresas de tecnologia para veículos de mídia. Por essa quantia, não conheço ninguém que seria contra uma lei dessas…
O grande problema veio no dia seguinte. Sem ser demandado, o STF, pelas mãos do ministro Alexandre de Moraes determinou que a plataforma “apague” a mensagem enviada (como se isso fosse possível), determinou ainda a suspensão do aplicativo por 72 horas caso não cumpra essa decisão, e o pior, que envie uma mensagem de retratação: “Por determinação do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a empresa Telegram comunica: A mensagem anterior do Telegram caracterizou FLAGRANTE e ILÍCITA DESINFORMAÇÃO atentatória ao Congresso Nacional, ao Poder Judiciário, ao Estado de Direito e à Democracia Brasileira, pois, fraudulentamente, distorceu a discussão e os debates sobre a regulação dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada (PL 2630), na tentativa de induzir e instigar os usuários a coagir os parlamentares”.
Isso pode ter passado desapercebido, mas por trás da manobra de nossa suprema corte, aparece um fenômeno inédito na política brasileira: por qual razão, e sob qual argumentação, um poder da república que nada tem a ver com a tramitação de leis em nosso parlamento, se posiciona como vítima de um atentado à desinformação? O Supremo não é parte da discussão sobre o PL 2630, o documento não foi escrito nos ambientes da suprema corte, e o texto publicado pela empresa não fere em nada nenhuma lei brasileira (tanto é que nenhum crime foi imputado). Estamos inaugurando no país a pena sem crime. Quando o google se manifestou, foi enquadrado pelo Ministério da Justiça como fraudador do código de defesa do consumidor, por abuso de poder econômico. Uma desculpa, que pelo menos demonstrou a preocupação de caracterizar a manobra como algo desvinculado de qualquer viés de censura. Mas nessa decisão de hoje, em relação à mensagem do Telegram, não tiveram o mesmo pudor.
Parece que a nossa suprema corte está pegando gosto em se colocar como vítima, órgão de investigação e juiz, simultaneamente num mesmo processo (sou o ofendido, sou quem abre o inquérito, quem conduz a investigação e quem julga), como ocorre em um certo inquérito que tramita na casa desde os tempos pré-pandemia.
O resultado desse compêndio de ações, ainda não sabemos. Mas olhando atentamente o que diz a sociedade nos comentários nos principais veículos que permitem diálogo, é bem possível que este tenha sido mais um tiro no pé. É sempre bom lembrar que, quando alguém ou alguma instituição faz uma ofensiva, é saudável fazê-la de cabeça fria, e não no calor do momento em que se sentiu ofendido, mesmo sem o direito de se sentir.