Não se aposta o que não se pode perder.

As relações internacionais são um jogo de xadrez. Ou de poker. Peças são entregues, finge-se de morto, de bobo, para no fim, sair com a vitória. Os melhores jogadores têm em comum o sangue frio e a capacidade de administrar bem o tempo entre os movimentos. Pensa-se bastante para se mover pouco. Entre os verdadeiramente craques, costuma-se encontrar também muita coragem e um tanto bom de sorte.

Em 20 de janeiro, do outro lado da mesa sentou-se um novo jogador, desengonçado, descabelado, mas com muito cacife, bastante coragem e alguns diriam, sorte e um pouco de insanidade. Da loucura brota o componente final: a imprevisibilidade. Talvez apenas isso falte ao presidente americano.

Ele escolheu aproveitar sua lua de mel com o eleitorado para fazer aquilo que nós, brasileiros, não estamos acostumados: cumprir suas promessas de campanha. Em entrevista recente, o senador democrata John Fetterman, conhecido por suas bermudas, moletons e carisma, foi perguntado se estava assustado com as medidas de Trump, respondeu: em absoluto, ele faz exatamente o que disse que faria em sua campanha. Precisamos nos acostumar.

Dito tudo isso, passemos à América Latina. O aumento da aposta de Trump pra cima do presidente colombiano mostrou que, nesse poker, ele não está pra brincadeira. Gustavo Petro tentou o blefe. Sem cartas, jogou fichas na mesa, estufou o peito e sorriu para a plateia que assistia. Levou um all in instantâneo e foi obrigado a entregar os anéis pra não ficar sem dedos. O governo brasileiro insinuou querer fazer o mesmo, era domingo, e se empolgou com a jogada do amigo latino e a cobertura da imprensa parceira. Por pouco não ficou com a mesma cara de tacho. Mas teve sensibilidade, e nos dias seguintes, soube recuar. Fez certinho. Falei sobre isso, inclusive.

Agora, no mesmo dia em que México e Canadá recebem a notícia de que seus produtos serão taxados em 25% como prometido, o Brasil faz uma aposta sem o menor cabimento: deixa vazar em Brasília que está discutindo uma proposta para apertar o cerco às Big Techs. Não mais pelo caminho da moderação de conteúdo. A palavra censura não pega bem. Mas pelo caminho do dinheiro. O Brasil quer uma lei que permita, entre outras coisas, a cobrança de multas bilionárias, alegando monopólio, e violação da lei de concorrência. Com as mudanças pretendidas, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) poderia determinar que essas empresas possuem “relevância sistêmica”, e assim abriria caminho para que fossem obrigadas a seguir as determinações da nossa justiça, sob pena de bilhões em multas, como a imposta ao Google pela União Européia, na casa de 49 bilhões de reais por falta de concorrente. Detalhe, este valor cobriria com folga todo déficit fiscal brasileiro de 2024. Em Washington, todos sabem das intençõs do governo brasileiro nessa seara e do respaldo que esssas empresas tem no novo presidente americano.

Uma notícia dessas, antes mesmo do retorno do Congresso, sem nenhum trâmite à vista, sem negociações, sem relatoria, sem nada, deixa claro que o Brasil ainda não entendeu o novo jogo, nem fez a leitura correta do jogador à sua frente. Mas à luz do que aconteceu esta semana na questão dos deportados, o Brasil perdeu o direito de se surpreender com o que vier de lá. Caso apareça no noticiário a intensão de sermos taxados como foram Canadá e México, alegar surpresa e revidar com reciprocidade verborrágica não vão colar. O país tem muito a perder. Quando aprendi a jogar poker, um amigo experiente me disse: toda mesa tem um pato. Você tem meia hora pra descobrir quem é. Se em meia hora não descobrir, jogue sabendo: o pato é você.

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